Trigo tem glúten e o que mais?

Cerca de 95% do trigo produzido é da espécie Triticum aestivum, de uso para o pão comum. O Triticum durum or “durum” wheat, é usado para fazer massas.

O trigo (Triticum aestivum, Triticum durum, Triticale sp) é uma gramínea originária do “Crescente Fértil”, uma zona geográfica que compreende desde a porção africana (Norte do rio Nilo) até a porção asiática (atuais Iraque e Kwait) do Médio Oriente. Este cereal é o terceiro mais produzido no mundo, depois do arroz e do milho, segundo dados da FAO (2008) e está amplamente distribuído. Por causa disto, há uma enorme variedade nas características do grão encontrado, devido às condições climáticas e de solo diferirem grandemente, nas diferentes produções mundiais,  o que leva, então, ao teor diferente de nutrientes, e a uma classificação quanto: ao período do ano em que crescem (trigo de inverno ou trigo de primavera) e ao conteúdo de glúten, que é a principal proteína encontrada no trigo.

O grão do trigo tem cor e tamanho variáveis, mas, geralmente, apresenta formato ovalado com extremidades arredondadas, sendo composto basicamente por três partes: o gérmen (que contém o embrião e nutrientes para o mesmo), a casca (que protege o grão do ataque de insetos, roedores e micro-organismos) e o endosperma (estoque de alimento para o embrião). Como os constituintes não se distribuem uniformemente no grão, isto leva a características e propriedades diferentes dos produtos derivados do trigo, em especial, da farinha.

Características da farinha de trigo

O objetivo principal da moagem do grão do trigo é a obtenção da farinha. Na moagem, o endosperma é separado da casca e do gérmen. No endosperma está o amido, que constituirá a farinha. A casca (rica em fibras, minerais e vitaminas) constitui o subproduto da moagem denominado farelo; e o gérmen (rico em proteínas e lipídios), apesar de ser a parte do trigo com maior valor nutricional, é geralmente destinado para ração animal. À proporção que se aumenta a taxa de extração da farinha, há um pequeno ganho em proteína e maior ganho em cálcio e ferro. Para a substituição de alguns nutrientes perdidos na moagem, a farinha é, com frequência, enriquecida pela adição de tiamina, riboflavina, niacina, ferro e ácido fólico.

Portanto, as quantidades dos diferentes componentes na farinha obtida é que determina sua utilização específica: trigo mole é utilizado na confecção de bolos e biscoitos, trigo duro para pães e trigo durum para confecção de massas.

A farinha de trigo refinada é obtida do grão já descascado, sem o farelo e o gérmen. Concentra apenas o amido do grão, que é pobre em nutrientes. Do refinamento, surgem 2 subprodutos: gérmen de trigo e farelo de trigo. Para ficar branquinha e mascarar a má qualidade do trigo, em muitos casos são utilizados diversos compostos químicos artificiais, chamados de melhoradores.

A farinha de trigo “integral” reconstituída é produzida a partir da mistura da farinha de trigo refinada (ou “branca”) com o farelo de trigo e não é integral de verdade, pois não contém o gérmen, parte nutritiva do grão. De acordo com a nossa legislação, ela pode ser rotulada como farinha integral, porém não é integral de verdade, pois não contém todas as partes. A maioria das indústrias opta por esse tipo, pois como tem menos nutrientes, possui maior prazo de validade.

A farinha de trigo 100% integral é obtida da moagem do grão inteiro, preservando todas suas partes e nutrientes. Mantém o gérmen e o farelo, partes que concentram fibras, proteínas, minerais, vitaminas e antioxidantes. Portanto, esta deve ser a prioridade de escolha para a proteção da saúde.

A principal diferença da farinha branca de trigo, para a farinha integral é o teor de fibras. No entanto a composição do produto integral, se utilizar parte o gérmen de trigo, trará um aporte maior de vitaminas, como a vitamina E, A, minerais como zinco, ferro, complexo B, fósforo,ácido fólico e antioxidantes. A farinha de trigo integral é também fonte de lignanas, substâncias que ao serem digeridas pelas bactérias da flora intestinal se convertem em compostos que podem prevenir alguns tipos de câncer .

Trigo é considerado alimento de qualidade?

Em um contexto de dieta balanceada, o trigo representa uma fonte de nutrientes, fibra dietética e compostos bioativos, carboidratos como a amilose e amilopectina, principalmente se consumido na versão integral. O consumo de grãos integrais favorece a redução dos fatores de risco para doenças cardio metabólicas, tais como a redução do colesterol LDL, triglicérides, glicose sanguínea, pressão arterial e IMC (índice de massa corporal). Alguns estudos indicam a redução de cancer e mortalidades por todas as causas.

No entanto, o trigo antigo, era pequeno (anão), possuía menor teor de glúten, maior densidade nutricional, e ainda não havia sofrido as modificações genéticas, que tiveram início após os anos 60. Mudanças genéticas e tecnológicas, foram feitas no grão para melhorar a qualidade de proteína, melhorar o rendimento da produção, aumentar o tamanho da planta e por consequência dos grãos, reduzir o ataque de pragas antes da colheita, aumentar a tolerância às mudanças ambientais, e até mesmo trabalhar o tempo de maturação, de forma que a colheita seja otimizada.

Estas mudanças que transformaram o grão original de Jesus, einkorn (Triticum monococcum), emmer (Triticum dicoccum), khorasan (Triticum turgidum ssp. turanicum) e o espelta (Triticum spelta), foram, aos poucos, dando origem a uma nova planta, que atendesse às necessidades da indústria trigueira em constante ascenção, com maior absorção de nitrogênio do solo, elevado teor de glúten (para aumentar a elasticidade e produção de pães e massas), empobrecimento nutracêutico e nutricional. De fato, as mais de 25 mil variedades de trigo existentes atualmente diferem – e muito – das linhagens selvagens, como o emmer e o eikorn. Esse trigo primitivo não continha glúten.

Hoje, o Brasil produz cerca de 6 milhões de toneladas, importando então mais 4 milhões para atender ao consumo de trigo no Brasil. O grão produzido aqui no Brasil tem menos concentração de glúten do que o produzido em solo Argentino (Argentina é o nosso principal fornecedor de trigo) por exemplo, o que significa que mesmo que o Brasil produzisse mais de 11 milhões de toneladas por ano ainda assim teria de importar o produto.

Em relação à farinha de trigo, a norma em vigor é a IN nº 8 do MAPA, denominada “Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade da Farinha de Trigo” (Brasil, 2005), na qual a umidade deve ser de até 15%, sendo a farinha de trigo classificada em Tipo 1, Tipo 2 e Integral, de acordo com o teor máximo de cinzas de 0,8%, 1,4% e 2,5% e teor de proteína de no mínimo 7,5%, 8,0% e 8,0%, respectivamente.

Pela legislação brasileira, a farinha de trigo deve ser enriquecida com ferro e ácido fólico. O enriquecimento de alimentos com micronutrientes é uma estratégia de saúde pública adotada desde o início do século XX e recomendada pela OMS, como uma abordagem para reduzir deficiências nutricionais por micronutrientes. No Brasil, o enriquecimento obrigatório das farinhas de trigo e de milho com ferro e ácido fólico foi implementado em 2002, com a publicação da RDC n. 344, e é uma das estratégias do MS para diminuição da incidência de DTN, ou seja, má formação de bebês durante a gestação, e para a prevenção da anemia.

Assim sendo, os principais nutrientes do trigo são os de enriquecimento (ferro e ácido fólico), o alto teor de carboidratos (amilose e amilopectina), proteínas (glúten), e fibras e nutrientes (principalmente na versão integral).

Farelo é a melhor parte

Como a maior parte dos compostos bioativos estão concentrados na semente e no farelo, não há dúvidas que o processamento do grão em farinha resulta em depleção de nutrientes. Por exemplo, o grão de trigo integral contém cerca de 10 a 15% de fibras, e cerca de 2 a 3 % na farinha. O amido é a maior fonte de calorias dos produtos à base de trigo, e a taxa de digestibilidade é de importância para a questão de carga glicêmica e o desenvolvimento da diabetes tipo 2. As modificações genéticas do trigo, reduziram o teor de amilose, carboidrato capaz de produzir amido resistente, que diminui a digestibilidade e consequente liberação de insulina. Assim sendo, a farinha de trigo na forma não integral, gera uma maior liberação de insulina, levando ao aumento de peso, já que, além do trigo ser um alimento de base para a população brasileira, em suas diversas versões (pães, massas, bolos, biscoitos, pizzas, farinhas). A farinha do Triticum aestivum moderno tem, em média, 70% de seu peso de carboidratos; as proteínas e as fibras indigeríveis representam, cada uma, de 10 a 15% do peso total da farinha.

Quando ingerimos uma grande quantidade de carboidratos, como ocorre mundialmente, com o crescente aumento de obesidade, nosso pâncreas, começa a secretar insulina. A insulina desempenha papel importante no armazenamento de substâncias energéticas: um aumento de glicose originará, via insulina, formação de glicogênio no fígado. Haverá também formação de ácidos graxos (fígado e tecido adiposo) e seu armazenamento no tecido adiposo, além de inibição da proteólise (quebra muscular). Ela sinaliza para que os nossos tecidos utilizem esse “açúcar” advindo dos carboidratos, para que entre dentro das células e então a glicose começa a normalizar na corrente sanguínea. Em excesso, a quantidade de glicose que chega às células hepáticas é maior do que a que pode ser armazenada como glicogênio. A insulina promove então a conversão de todo esse excesso de glicose em ácidos graxos. Esses ácidos graxos são em seguida embalados como triglicerídeos nas lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL), transportados até o tecido adiposo e lá depositados como gordura. Portanto, a insulina ainda FACILITA o ACÚMULO de GORDURA no tecido gorduroso e também a síntese e ácidos graxos, o que chamamos de lipogênese. A insulina também sinaliza para as células do tecido adiposo e manda parar de liberar os ácidos graxos acumulados. Portanto ela DIFICULTA a QUEIMA de GORDURA que chamamos de lipólise. Este processo, ocorrendo com frequência, e em quantidades elevadas, resultará em ganho de peso. A obesidade é uma doença inflamatória, portanto a fama de alimento inflamatório advinda do trigo, pode ser associada a este fato.

Porém, o maior problema relacionado ao ganho de peso, se refere principalmente à presença das calorias dos produtos elaborados com trigo, em geral, acrescendo-se além de outros ingredientes, açúcar, e reduzindo-se as fibras. Não pela presença do glúten em si, uma proteína que afeta as pessoas com doenças celíacas, autoimunes, algumas desordens mentais, e gastro-intestinais específicas.

O trigo não traz malefícios à saúde de pessoas, que não possuam intolerâncias, ou sejam celíacas, pelo fato de conter importantes nutrientes para a saúde, principalmente na sua versão integral. No entanto, todas as pessoas devem consumir com moderação, dentro de um planejamento alimentar balanceado, de preferência sob prescrição de nutricionista. O consumo desordenado de produtos à base de trigo, mesmo em sua verão integral, poderá promover o ganho de peso, e culminar em obesidade, cujas consequências à saúde podem ser inúmeras, desde o diabetes à doenças cardiovasculares e câncer.

A doença celíaca, ou alergia ao glúten é uma doença autoimune crônica. Com predisposição genética (HLA, DQ2 e DQ8), ela é causada por uma reação adversa ao glúten. Resumidamente, pessoas que possuem a doença celíaca não metabolizam a proteína, causando uma reação inflamatória mais severa na mucosa intestinal. Para este grupo, o tratamento é eliminar completamente o glúten da alimentação.

A sensibilidade não celíaca ou intolerância ao glúten é uma dificuldade na digestão da proteína. Por tratar-se mais de um desconforto, os sintomas estão basicamente relacionados ao processo de digestão. E, apesar de apresentar características semelhantes à doença celíaca, os testes sorológicos são negativos e a biópsia intestinal é normal. Muito se atribui às modificações para melhorar a elasticidade do glúten e favorecer a produção de pães, pizzas, aos sintomas da sensibilidade ao glúten não celíaca, que se caracterizam por dores de cabeça, confusão mental, cansaço, sintomas em pele (dermatites, eczemas), dores articulares e musculares, fibromialgia, dormência ou formigamento de membros. Pessoas com intolerância ao glúten costumam ficar com excesso de gases, inchaço na barriga, sofrer com diarreia ou com prisão de ventre, quando ingerem alimentos ricos na proteína do trigo, da cevada, da aveia e do centeio. Esses sintomas também costumam aparecer quando se fica muito tempo sem comer. O mal estar é causado porque as células do intestino ficam danificadas, ocasionando aumento de permeabilidade intestinal, assim como a possibilidade de cursar com disbiose (desequilíbrio entre a as bactérias do microbioma ntestinal), causando desconfortos, má absorção de vitaminas e minerais, e promovendo doenças diversas. Há fortes evidèncias que a imunidade inata pode desencadear a sensibilidade ao trigo, como resposta inflamatória. As doenças autoimunes têm portanto uma forte conexão com a sensibilidade ao glúten não celíaca, sendo as principais, a Tireoidite de Hashimoto, Dermatite Herpetiforme,  Psoríase e as Doenças Reumáticas.

Alguns aspectos neurológicos  do envolvimento com a sensibilidade ao glúten não celíaca, foram verificados em doenças como a ataxia associada ao glúten, neuropatia periférica, e encefalopatia periférica multifocal. Os pacientes podem apresentar sintomas como depressão, ansiedade e psicoses.

Síndrome do intestino irritável, Doença de Crohn e Retocolite ulcerativa, são alterações intestinais, onde a retirada do glúten, por vezes aplicando-se a restrição alimentar conhecida como FODMAP, surte efeitos positivos e alívio ao trato gastro-intestinal danificado. Algumas pesquisas demonstraram que a gliadina (proteína do glúten), pode alterar a integridade da mucosa intestinal, aumentando a permeabilidade e dimuição das microvilosidades celulares intestinais.

Problemas no armazenamento dos grãos, nos silos brasileiros, geram preocupações às autoridades de saúde, já que os cereais podem sofrer contaminação por micotoxinas e fungos, que dependendo da concentração, podem promover malefícios à saúde.

Da mesma forma, os grãos de trigo contém os chamados anti-nutrientes, como fitatos, que formam complexos unidos a minerais, reduzindo a biodisponibilidade e absorção dos mesmos. O teor de fitatos pode ser reduzido em processo de fermentação, como a fabricação de pães com fermentação natural, e nos grãos germinados.

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